E se...?

E se…eu fosse a última pessoa na Terra? A Crônica da Extinção

 

extinção

Sou a última pessoa aqui. É como no filme “eu sou a lenda”, só que pior, pois aqui é real. Não há zumbis, mas estar sozinha é pior. Preferia encarar zumbis acompanhada do que a vida sozinha. Não, não há ninguém. Há semanas estou aqui sozinha sem nenhum ser humano para conversar. Nem meu cachorro. Só falo com as paredes e escrevo para não ficar maluca. Não importa que ninguém vá ler. Tenho esperanças que ainda existem outros humanos por aí, mas ainda não encontrei. A internet não funciona. O Telefone não funciona (e pra quem eu ligaria? Todos que eu conhecia, se foram). É tudo muito estranho. Tudo parado, ninguém nas ruas… algumas coisas estão começando a parecerem abandonadas. Daqui uns dias, ou meses, isso aqui vai virar uma cidade fantasma. Por enquanto parece apenas uma cidade cenográfica: tudo no lugar, mas sem ninguém. A praia e as ondas, só minhas. As ruas, as praças, shoppings, supermercados. Agora sou dona do mundo e entregaria tudo de volta pra ter todos de novo. Para ter os vizinhos, os desconhecidos, minha família, meu amor e meu cachorro por perto. Amigos, o som das pessoas, o latido dos animais, o cantar dos passarinhos. Outro dia vi um peixe, mas ele estava morto. Se estivesse vivo seria o primeiro animal assim que vejo em semanas. Nem baratas aparecem mais. Deve ser o único benefício disso tudo. A extinção chegou pra elas também. Pelo menos as arvores não parecem estar morrendo, tenho algo que pulsa ao meu redor. Elas estão nos mesmos lugares, como se nada tivesse acontecido. Tenho que aprender com elas, continuam fortes apesar das tempestades. Devem ser zen-budistas. Preciso tentar contato com alguém. A comida é farta mas não há ninguém para eu dividir. Em algum tempo, não sei quando, os geradores dos supermercados irão parar e as comidas congeladas irão estragar. Daí preciso achar outra fonte. Dirijo sozinha por longas distâncias agora. Não há mais o trânsito pra reclamar. Não existem mais barbeiros nas ruas dirigindo seus veículos como se fossem os donos da rua. Agora, sou só eu. Vivo e sobrevivo. Não há muito o que se fazer quando se tem tudo ao seu dispor e ninguém pra dividir ou negociar. Se a louça estiver ficando suja, eu posso mudar as louças. Ou a casa. E usar o guarda-roupa das outras pessoas. E o carro. O ouro e as pedras preciosas não valem nem um real aqui. É tudo meu e não uso nenhum. Que graça tem se não há ninguém além de mim para apreciar. São belos é claro, mas não tenho porque vesti-los. Agora, vejo que muita coisa é inútil. Tanto tempo perdemos com tanta inutilidade. E tanto tempo que poderíamos termos gasto com aquilo que realmente preencheria nosso coração e acalentaria nossa alma.  Me arrependo de todas as chances que perdi de estar com as pessoas que amei, de todas os aniversários que não fui, das visitas que não fiz, das viagens que desmarquei. “Está tarde”, “é longe”, “estou cansada”, “estou com preguiça”… Se eu soubesse antes o que iria acontecer não teria dito essa frases. Não queria ter perdido nenhuma oportunidade de ser feliz, mas perdi várias. Perdi tantas oportunidades de dizer o quanto algumas pessoas eram especiais, e agora elas não estão aqui. Meu tempo acabou. O tempo pode até ser infinito, mas não pra gente. O tempo é infinito por si só. Pra quem está aqui sobre a terra o tempo é finito, contado…só não sabemos quando o cronômetro irá zerar. É uma dúvida até chegar o momento. Absolutamente impensável tudo isso. De todas as possibilidades, nunca me passou pela cabeça estar sozinha aqui. Ninguém pra me incomodar e eu reclamando. Ninguém pra dividir o meu brigadeiro e eu reclamando. Todas as lojas a disposição sem precisar pagar um real, e eu nem entro. Não faz sentido. Agora eu só quero um abraço humano. Ou um abraço mamífero, já serve. Por enquanto, só tenho as árvores, as plantas, as pedras e o mar. E é melhor agradecer, pois pode ser que tudo isso acabe antes de mim, não sei. Depois eu continuo, afinal, agora tenho todo o tempo do mundo e só pra mim. Quando eu me for, se eu for mesma a última, eu acho que o tempo também acabará. O tempo existe se não tem ninguém pra contá-lo?

6 comentários em “E se…eu fosse a última pessoa na Terra? A Crônica da Extinção

  1. A última pessoa no mundo precisa ser a última pessoa do seu próprio mundo, porque, caso não fosse, as demais ainda existiriam dentro de si.

    Nosso mundo é repleto de coisas que não existem, mas que cultivamos em nosso coração e mente,

    Mantenha a não existência longe e as características da sua mente a manterão ocupada por milênios.

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  2. Sobre tempo:

    “Todos os dias quando acordo
    Não tenho mais o tempo que passou
    Mas tenho muito tempo
    Temos todo o tempo do mundo (…)

    Nem foi tempo perdido
    Somos tão jovens
    Tão jovens, tão jovens”.

    – Tempo Perdido de Legião Urbana.

    “(…) Compositor de destinos
    Tambor de todos os ritmos
    Tempo Tempo Tempo Tempo
    Entro num acordo contigo
    Tempo Tempo Tempo Tempo

    Por seres tão inventivo
    E pareceres contínuo
    Tempo Tempo Tempo Tempo
    És um dos deuses mais lindos
    Tempo Tempo Tempo Tempo”,

    – Oração Ao Tempo de Maria Gadú.

    Beijos, Gabi <3.

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